Arqueólogos identificam vestígios de ossos humanos em cemitério de escravizados na BA 2o1h1

O cemitério do Campo da Pólvora foi um dos primeiros da capital baiana.

Arqueólogos identificam vestígios de ossos humanos em cemitério de escravizados na BA
Arqueólogos identificam vestígios de ossos humanos em cemitério de escravizados na BA

João Pedro Pitombo, Salvador, Ba (folhapress) - 26/05/2025 15:45:38 | Foto: Divulgação

Arqueólogos identificaram vestígios de ossos humanos na região do centro de Salvador que abrigou o antigo Cemitério do Campo da Pólvora, que por 150 anos foi destino dos corpos de escravizados, indigentes, criminosos, suicidas e rebeldes de levantes como a Revolta dos Malês.

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Os trabalhos começaram em 14 de maio no estacionamento do Complexo Pupileira, no bairro de Nazaré. O perímetro do antigo cemitério foi localizado em um cruzamento de mapas e relatos históricos identificados pela pesquisadora Silvana Olivieri, doutoranda em Urbanismo na UFBA (Universidade Federal da Bahia).

Os vestígios encontrados foram classificados pelos profissionais envolvidos como uma das principais descobertas arqueológicas recentes do Brasil -a área potencialmente abriga um dos maiores cemitérios de escravizados do país.

"Para além dessa grande importância arqueológica e histórica, se trata de um sítio sagrado para a população negra da Bahia, do Brasil e para todos aqueles que se reconhecem nas pessoas que estão ali sepultadas", afirma Olivieri.

A autorização para as escavações foi precedida por uma negociação que envolveu a Santa Casa de Misericórdia da Bahia, proprietária da Pupileira, o Ministério Público estadual e o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), órgão ligado ao Ministério da Cultura.

Inicialmente, foi concedido prazo de dez dias para que o trabalho fosse realizado em uma área equivalente a três vagas do estacionamento.

Os primeiros vestígios de ossos humanos foram encontrados em 19 de maio, quinto dia de trabalho de campo realizado pela empresa Arqueólogos, que fez de forma gratuita os procedimentos de escavação.

A arqueóloga Jeanne Almeida Dias afirma que os vestígios de ossos humanos foram encontrados a três metros de profundidade, o que a área do antigo cemitério, fechado em 1844, foi aterrada.

A pesquisa avançou com novos achados até a última sexta-feira (23), quando terminou o prazo concedido para a pesquisa. O sítio arqueológico foi protegido com um material semelhante a um tecido por conta da fragilidade dos vestígios encontrados. A área foi coberta novamente com terra solta.

Com o nome de "Cemitério dos Africanos", a área foi registrada no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos do Iphan como um sítio arqueológico de alta relevância. Com isso, a área está protegida segundo as normativas do patrimônio cultural brasileiro.

Os próximos os vão depender de novas rodadas de negociação com a Santa Casa, Iphan e Ministério Público. A ideia inicial é convocar uma audiência pública para ouvir a sociedade civil.

Os pesquisadores defendem que a área deixe de ser usada como estacionamento, o que pode render embates com a Santa Casa, que tem no espaço uma das suas principais fontes de renda. A Pupileira abriga um museu, uma faculdade e um dos cerimoniais de eventos mais concorridos de Salvador.

"Entendemos que as comunidades atingidas, especialmente a comunidade negra, devem ser ouvidas tanto pela dimensão simbólica, quanto sobre a continuidade de um uso incompatível, já que é um espaço usado para festas", afirma professor Samuel Vida, coordenador do programa Direito e Relações Raciais da UFBA, e coautor do dossiê encaminhado ao Iphan.

Ele afirma que caberá ao poder público adotar medidas para proteger o sítio arqueológico e debater com a comunidade sobre o destino daquela área. Uma das propostas é a criação de um memorial.

A identificação do sítio arqueológico em Salvador também motivou a criação do Comitê de Salvaguarda de Cemitérios de Escravizados no Brasil, que envolve também outras entidades como o cemitério dos Aflitos, em São Paulo, e os cemitérios dos Pretos Novos e de Santa Rita, no Rio de Janeiro.

O objetivo é articular ações conjuntas e fortalecer novas pesquisas que busquem identificar cemitérios de escravizados pelo país.

O cemitério do Campo da Pólvora foi um dos primeiros da capital baiana. Na Salvador do período colonial, os corpos dos mortos eram enterrados no interior ou no adro das igrejas católicas.

O costume era tão disseminado que quando, em outubro de 1836, o governo editou uma lei proibindo os enterros nas igrejas, as irmandades católicas se rebelaram, resultando em uma revolta que ficou conhecida como Cemiterada.

Com o crescimento da população de cativos, o cemitério se tornou destino da maioria dos corpos dos escravizados mortos, fossem eles pagãos ou cristãos. Em 1817, por exemplo, ali foram enterrados 113 africanos que não sobreviveram à travessia de um navio tumbeiro.

Também foram enterrados nesse cemitério os restos mortais dos líderes da Revolta dos Búzios, que foram enforcados e esquartejados em 1799, e líderes da Revolução Pernambucana fuzilados em Salvador.

Com o tempo, o terreno ou a ser encarado como um problema de saúde pública, sendo fechado em 1844. Um novo cemitério foi inaugurado em 1836 e se tornou um dos mais tradicionais de Salvador: o Campo Santo.

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